Pernambuco

Coluna

A criminalização da greve dos Policiais Civis de Pernambuco

Imagem de perfil do Colunistaesd
Os policiais civis de Pernambuco exigem reajuste da remuneração de toda carreira, valorização profissional e melhoria nas condições de trabalho - SINPOL PE
É proibido proibir a greve, pior ainda reprimi-la com multas astronômicas ou o bloqueio de contas

No final da semana passada, o meio sindical de Pernambuco foi pego de surpresa com uma medida extrema e arbitrária de criminalização do livre exercício do direito de greve: uma decisão judicial do TJPE que determinou o imediato bloqueio das contas bancárias pessoais do presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE), Rafael Cavalcanti, bem como das contas dessa entidade, no curso do movimento grevista dessa categoria de servidores estaduais. 

Os policiais civis de Pernambuco, neste início de ano, estão no meio de um processo de negociação salarial com o Governo do Estado, realizando uma série de atos públicos de protesto exigindo reajuste da remuneração de toda carreira, valorização profissional e melhoria nas condições de trabalho nas delegacias e institutos de todo o estado. Desse modo, estavam em estado de greve desde o dia 29 de dezembro de 2021, afixaram cruzes na praia de Boa Viagem simbolizando as vítimas de assassinatos por todo o estado, realizaram caminhada pelas ruas da capital no dia 26 de janeiro e uma nova passeata até o Palácio das Princesas no último dia 14, após deflagrarem greve em assembleia geral da categoria, que em seus primeiros dias já atingiu a adesão de 90% da categoria. 

Ainda no dia 9 de fevereiro, em ação judicial movida pelo Governo do Estado, o TJPE decretou em decisão liminar a prévia ilegalidade da greve e aplicou a pena de multa diária de R$ 300 mil contra o sindicato para que se abstenha de realizar paralisação de qualquer atividade dos policiais, sob qualquer forma, modalidade ou denominação. Acontece que o Sinpol, desde setembro de 2021, pediu ao Tribunal de Justiça que seja mediador do entre o Governo e o sindicato no processo de negociação coletiva. 

Desse modo, a medida judicial arbitrária de bloqueio de contas do dirigente sindical e da entidade, à qual se soma também a retenção do repasse de mensalidades e contribuição sindical pela Administração ao sindicato, é decorrente da aplicação da citada multa, que, no momento da decisão, já somava mais de R$ 600 mil reais. 

É de se destacar, no entanto, que a liberdade sindical vem a ser um feixe de direitos e garantias fundamentais, assegurado no artigo 8º, caput e inciso III, da Constituição Federal, e que, em sua dimensão coletiva, orienta a atuação dos sindicatos profissionais, concedendo a esses algumas garantias e prerrogativas para o cumprimento de seu múnus, a representação da respectiva categoria. A dimensão coletiva da liberdade sindical há de prevalecer de modo a dar ao sujeito coletivo as ferramentas necessárias para assegurar e conquistar direitos, acobertada também pelos artigos 513 e 543 da CLT e pela Convenção 98 da OIT. 

Nesta dimensão da liberdade sindical, os direitos e garantias a ela atinentes são de titularidade das organizações sindicais no processo de defesa e de promoção dos interesses de seus representados, ou seja, direitos de que são titulares as entidades sindicais para que possam cumprir as funções que constituem a sua razão de ser e existir. Emerge daí um conteúdo essencial composto pelos direitos de representação coletiva, desdobrando-se em questões detalhadas em norma infraconstitucional, como: i) auto-organização; ii) filiação positiva ou negativa a organizações sindicais mais complexas no âmbito nacional e internacional; iii) livre exercício da atividade sindical; e iv) exercício do direito de greve. 

Desse modo, são o livre exercício da atividade sindical por parte dos dirigentes da entidade representativa e, como último recurso, a ação grevista por parte de uma categoria obreira a mais completa expressão material da liberdade sindical e a razão de ser desse direito fundamental.  Aos seus exercícios não podem ser criados embaraços ou opostos impedimentos ilícitos, sob pena de sufocar e criminalizar a luta coletiva dos trabalhadores e trabalhadoras, impedindo o sindicato cumprir a sua missão constitucional, portanto, de se constituir como uma conduta antissindical, seja ela praticada por uma empresa, pela administração pública ou pelo judiciário.  

Em relação ao direito de greve, já inúmeras vezes tratado nesta coluna, é de enfatizar que ele é assegurado no artigo 9º da Constituição Federal enquanto um direito social, um direito coletivo dos trabalhadores e trabalhadoras a ser livremente exercido. Impedi-la é cercear uma liberdade democrática, logo é proibido proibir a greve, pior ainda reprimi-la com multas astronômicas ou o bloqueio de contas bancárias da entidade e/ou de seu dirigente. Eventuais abusos cometidos é que podem ser depois reparados ou punidos, estritamente contra os responsáveis, porém não contra toda uma coletividade e sua representação. Afinal, segundo o texto constitucional que materializa tal garantia, compete aos trabalhadores decidirem sobre o momento, a forma e os interesses que irão defender por meio da greve.

Fora disso, é a concretização de um Estado Policial contra as lutas da classe trabalhadora por direitos e melhores condições de vida; é o discurso de defesa da democracia ficando só no papel. Desafia-se qualquer um a apontar alguma greve que nossos tribunais locais, após ser provocado judicialmente pelos patrões ou pela administração, principalmente se for de servidores públicos, atestou que ela estava nos “trinques”.

Ameaçar o movimento sindical e os trabalhadores com multas altíssimas, casada com bloqueio de contas e retenção de contribuições sindicais, é uma verdadeira afronta ao núcleo essencial do direito de greve como ele consta no texto da Constituição Federal. Só corporifica a tendência atual de criminalização de qualquer forma de greve que fuja dos roteiros que os tribunais ditam e que exerça a sua função política, a sua razão de ser.

Mais esse episódio apenas demonstra o desmonte pelo judiciário do direito de greve ao longo dos últimos anos. É um direito conquistado com muito sacrifício, sangue e vidas dos trabalhadores, duramente reprimidos por décadas, mas que foi fundamental para derrota da Ditadura e que apenas em 1988 passou a constar na Constituição como um direito fundamental de todo trabalhador e trabalhadora. 

Para além da jurisdicização e legalização da greve, que hoje toma tons de criminalização, ela é o mais autêntico instrumento de luta do movimento sindical e da classe trabalhadora em movimento, pois é por meio dela que toma corpo o poder político daqueles que apenas detém a força de trabalho: parar e inviabilizar a produção, travar o processo de criação e circulação de mercadorias. É a sua única arma e meio de força a ser colocada à prova em uma negociação coletiva. Esse é o maior poder que os trabalhadores detêm em suas mãos contra o capital e, por isso, ela permanece viva como forma pressão obreira para conquista de direitos.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga