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Mais um ataque do STF aos sindicatos: o julgamento do "negociado sobre o legislado" sem limites

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O STF subverte os princípios orientadores do Direito do Trabalho, com destaque o da proteção obreira. - Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Essa decisão reforça o enfraquecimento e desmantelamento das entidades sindicais em nosso país

Na quinta-feira, dia 2 de junho, o Supremo Tribunal Federal concluiu um julgamento que impacta decisivamente na atuação das entidades sindicais: o Tema 1.046 (ARE 1.121.633, com repercussão geral), que tratou da abrangência do negociado sobre o legislado. Em síntese, o STF decidiu que as normas de acordos e convenções coletivas de trabalho podem limitar, restringir ou afastar direitos trabalhistas, à exceção de direitos assegurados pela Constituição Federal, tidos como indisponíveis.

Na prática, passa a ser possível e permitido que as negociações coletivas entre sindicatos e empresas façam a redução ou mesmo a retirada de direitos sociais dos trabalhadores sem nenhuma contrapartida, conferindo às relações de trabalho de determinada categoria profissional regras em patamar abaixo do previsto na CLT e independentes da concessão de uma vantagem compensatória – a chamada renúncia onerosa de direitos.

Somada ela à decisão anterior do STF, em 27 de maio na ADPF 323, de proibir a ultratividade das normas de acordos e convenções coletivas (a possibilidade dessas regras seguirem produzindo efeitos e integrarem os contratos de trabalho mesmo após escoar a sua validade se não houver nova negociação a substituindo), os sindicatos obreiros passam ainda mais a ter dificuldade em estabelecer negociações coletivas com o patronato que resulte em ganho de direitos para os trabalhadores, ou pelo menos evitam retrocessos – ficando “entre a cruz e a espada”. Ficam impelidos em obrigatoriamente negociar, mesmo que isso resulte em redução salarial e perda de direitos básicos. Encontram-se, inclusive, suscetíveis a negativa dos patrões em não negociar (a “recalcitrância”), reconhecidamente hoje uma conduta antissindical, sem que possam ser convocadas e deflagradas greves, diante da posição majoritária do Judiciário Trabalhista de criminalização dos movimentos paredistas, impondo multas diárias de milhares de reais, como já abordamos em colunas anteriores. 

Portanto, essa decisão, como outras anteriores proferidas pelo Supremo na temática trabalhista, reforça o enfraquecimento e desmantelamento das entidades sindicais em nosso país, principalmente após a Reforma Trabalhista de 2017. É de se destacar que no Brasil, segundo levantamento do IBGE, desde a Reforma Trabalhista o número de sindicalizados caiu em 21,7% e o orçamento das entidades sindicais reduziu, em média, 80%, afetando a sua capacidade de luta e de negociar, bem como o apoio aos movimentos sociais. Lembre-se, ademais, o aqui já dito que boa parte das inovações da Reforma e de legislações posteriores a ela, praticamente “apagam” os sindicatos do mapa das relações laborais: liberam a “livre” pactuação individual entre empregado e patrão em diversos temas, inclusive jornada de trabalho, como se houvesse uma igualdade de poderes em negociar. 

Mais uma vez, o STF subverte os princípios orientadores do Direito do Trabalho, com destaque o da proteção obreira, flexibilizando os patamares de proteção social e jurídica e conferindo uma interpretação neoliberal e em prol dos interesses econômicos aos direitos trabalhistas. Esvazia, assim, o próprio sentido de existência do Direito do Trabalho, sob um falso pressuposto de prevalência da autonomia privada coletiva ilimitada e paridade de armas entre as partes na negociação. Busca com mais essa decisão anular a relação difícil e de exploração entre capital e trabalho. 

Isso porque entendemos que a dita “prevalência do negociado sobre o legislado” deve ocorrer apenas como forma de buscar a ampliação de direitos para os trabalhadores para além do legislado, para avanço a melhoria das condições socioeconômicas no trabalho, vindo a ser essa a função primordial da negociação coletiva: a conquista de novos direitos sociais para a classe trabalhadora. 

Para corrigir mais esse retrocesso social e obstáculo à luta sindical e da classe obreira, é necessária muita mobilização popular para se avançar ainda em 2023, em um futuro governo democrático e popular, na revisão do texto da CLT, principalmente das brechas criadas pela Reforma Trabalhista no tema da negociação coletiva, com a inclusão do art. 611-A, de maneira a se prever a vedação de as negociações coletivas criarem normas em patamar abaixo do já existente na legislação trabalhista. 

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Elen Carvalho